Yvy Maraey: O paraíso tupi-guarani[1]
Paulo
Sérgio Barros[2]
Os tupi-guarani encontravam-se
distribuídos, por volta do século XVI, pela bacia Paraná-Paraguai e o litoral
desde a lagoa dos Patos até Cananéia (o caso guarani). Já os tupi ocupavam uma extensa faixa
litorânea desde Iguape até o Ceará.
Povo de mitologia rica cujo núcleo
estava no fenômeno da busca da terra sem
mal (Yvy Maraey) situada num passado glorioso ou num futuro próximo, visto
que, para esse povo, o tempo tinha uma natureza cíclica, isto é, o fim do mundo
preludiava sempre um recomeço.
Alimento de um porvir grandioso, o
retorno a um passado que se identificava com a idade do ouro da cultura
tupi-guarani, a busca da terra sem mal
também estava relacionada aos mitos da destruição do universo pelo fogo e a
água. Logo repovoado a partir de um casal de irmãos sobreviventes no alto de uma palmeira.
A terra sem mal era um tempo sagrado, de redenção, de eterna
juventude, de imortalidade. Estava situada no centro da terra, onde o criador
construiu sua morada e preparou os campos maravilhosos que dão abundantes
colheitas. Ou situada a leste, como acreditavam os Guarani que migraram do
Paraguai, no século XVI, e diziam ter um ancestral (Tamói) que teria voado para
o oriente e que os resgataria do alto de uma árvore sagrada e os conduziria ao
leste, onde ressuscitariam e usufruiriam de todos os bens da vida terrena.
Os profetas indígenas (Caraíbas)
se apresentavam como reencarnações de heróis tribais, espíritos superiores, os
quais os certificavam da existência de uma terra sem os males da fome, das
doenças, da perseguição colonial, terra da imortalidade, do repouso eterno, da
exuberância e da abundância. Os Caraíbas incentivavam os índios a abandonarem o
trabalho e a dançar, participar de rituais e peregrinações, pois o tempo da
abundância e da felicidade estava para chegar. Levando-os a ingressar no mundo
dos ancestrais; abandonar o tempo cotidiano e vivenciar o tempo eterno, o tempo
dos deuses.
Migrações
Muitas migrações ocorreram, muitos
índios sucumbiram e os Caraíbas acabaram sós. Eles foram duramente perseguidos
e acusados de falsos, mentirosos e enganadores pelos agentes coloniais, que não
mediam esforços para desmistificá-los e impedir as migrações, como ocorreu em
1562 com três mil índios da Bahia que tentavam fugir para o sertão, evitando
assim, a perda de grande contingente de mão-de-obra para o trabalho colonial.
Contudo, muitos grupos migraram
para o oeste e, provavelmente o litoral em vias de colonização, contribuiu para
isso. No ano de 1539 12 mil índios iniciaram migração em direção ao norte do
Brasil, 10 anos depois 300 remanescentes teriam chegado à província peruana de
Chachapoyas, e ao terem narrado aos espanhóis sua odisséia em busca de uma
região faustosa, onde abundava o ouro e as pedras preciosas, teriam despertado
o interesse hispânico e determinado a malfadada expedição de Pedro de Urso, em
busca da lendária Eldorado. Entre fins do século XVI e inícios do XVII entre 8
e 10 mil índios teriam migrado de Pernambuco para o Maranhão, em levas
sucessivas, em busca da terra sem mal,
fugindo do colonialismo.
A
inversão do mundo
Alguns
grupos tupi também pregavam a inversão da ordem sociocultural vigente. Os
Tupinambá da Bahia quinhentista organizaram um movimento (santidade) de forte
sentido anticolonialista, antiescravista e anticristão. Os Caraíbas diziam que
iriam fazer os escravos virarem “senhores de seus senhores”. Os Tabajara da
serra da Ibiapaba, no Ceará seiscentista, acreditavam na inversão da ordem
colonialista. Segundo um dos chefes dessa etnia, Deus reencarnaria, daria uma
volta ao mundo, fazendo com que o céu ficasse para baixo e a terra para cima e
os índios dominariam os brancos. De certa forma, a inversão do mundo não é
somente geográfica, é social e política, ou seja, é o fim da escravidão, da
perseguição e do controle colonial sobre suas liberdades, cultura e bens
materiais. É ilustrativo, nesse sentido, o fato de três líderes indígenas
serranos acreditarem terem aldeias subterrâneas para onde iriam, depois da
morte, com seus súditos onde viveriam livres dos colonizadores e com abundância
de recursos.
A
terra sem mal
Em 1912, Curt Nimuendaju encontrou
um grupo de Guarani à procura do paraíso perdido, próximo ao oceano. Seria,
segundo os estudiosos do tema, o último de uma série de movimentos migratórios
empreendidos por esse povo com o mesmo propósito.
Estudiosos das migrações tupinambá
assinalam como suas principais causas o insaciável desejo por guerras,
aventuras e fuga da dominação colonialista. Contudo, não há como negar que a
busca da terra sem mal era uma de
suas determinantes.
Não sabemos em que dimensão essa
busca se dava antes da colonização. Contudo, devemos considerar que a crença no
paraíso é um fato que permeia todas as culturas, inclusive a colonizadora.
Colombo, acreditava profundamente que as novas terras onde havia chegado
tratava-se das Índias, onde estava situado o paraíso terrestre.
As profecias ameríndias eram
meramente quimeras ou memórias? Qual a relação das crenças tupi-guarani com os
nossos desejos atuais por um mundo melhor? Somos herdeiros culturais desses
povos, assim como o somos do cristianismo, culturas que crêem no paraíso. Hoje
em dia, muitos grupos, religiões e filosofias creem e anunciam a chegada do
paraíso, depois de uma transformação do mundo. Outros acreditam num mundo
melhor através das revoluções sociais, políticas etc. Se fomos e/ou vamos ser
companheiros de Adão e Eva, não o sabemos. Seja como for, todos queremos o
mesmo: um mundo justo, feliz e pacífico, onde vivamos fraternalmente, com
respeito, amor e dignidade. Se conseguirmos encontrar/criar tal sociedade, será
o paraíso.
Referências
BARROS,
Paulo Sérgio. Confrontos Invisíveis:
colonialismo e resistência indígena no Ceará. São Paulo, Annablume;
Fortaleza, Secult, 2002.
MÉTRAUX, Alfred. A Religião dos Tupinambá. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1979.
VAINFAS,
Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo
e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
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