Escravidão e Abolicionismo no Ceará
A prática da escravidão negra no Ceará não
foi tão intensa como em outras partes do Brasil, notadamente em Pernambuco,
Bahia e Rio de Janeiro. Contudo, o historiador Raimundo Girão afirma que quando
Pero Coelho de Souza esteve na Serra da Ibiapaba em 1604, noticiou a presença
de alguns negros entre os índios. Barros (2002), a propósito do Ceará holandês,
comenta que Matias Beck, que esteve no Ceará entre 1649 e 1654, possuía escravos,
e que um de seus negros infiltrou-se entre os índios a quem Beck ordenou a se
comunicar com os nativos somente na língua indígena para obter o máximo de
informações dos índios sobre o espaço e a economia da região.
Porém, mais tarde africanos foram trazido
para o Ceará para servir os governadores do período colonial; outros vieram com
os primeiros colonos oriundos da Bahia e Pernambuco. Pedro Alberto de Oliveira ressalta que a
primeira entrada organizada de escravos negros no Ceará ocorreu durante a curta
existência da Companhia das Minas de S. José dos Cariris, iniciada em 1756, e
que explorou ouro na região sul da capitania, usando 69 escravos africanos.
Posteriormente o trabalho escravo foi incorporado ao setor produtivo estando
presente na pecuária, na agricultura, em serviços especializados, nos serviços
domésticos, ou ainda como escravo de aluguel e de ganho.
Contudo, o tráfico de negros para Ceará
era pequeno e indireto; fazia-se, sobretudo pelos entrepostos de São Luís, Recife,
Salvador e Rio de Janeiro, e eram da etnia Banto, originários de Angola e
Congo.
A pecuária e o algodão, o motor da
economia colonial cearense, foram atividades que usaram a mão-de-obra escrava,
mesmo que não tenha sido intensivamente. Na pecuária porque além de facilitar a
fuga dos escravos tinha um caráter de mobilidade. Para o cultivo de algodão, praticado num certo
período do ano, não era compensador o uso da mão-de-obra africana. Optava-se
pelo meeiro e agregado. Os cativos iam mais para os trabalhos domésticos.
Em núcleos urbanos como Fortaleza, era
normal anúncios de jornais oferecendo serviço de negros que formavam uma
mão-de-obra mais especializada como pedreiros, marceneiros, alfaiates,
sapateiros entre outros. O Trabalho escravo ajudava, portanto, na composição da
renda da família do senhor, não apenas pelo seu valor, mas como escravo de
aluguel, como escravo de ganho e até como prostitutas.
A presença de escravos africanos na
economia e sociedade cearense não foi inexpressiva como naturalmente se pensa.
Exemplo ilustrativo nesse sentido é que no início do século XIX, segundo
Eurípedes Antônio Funes, a presença de afro-brasileiros no Ceará já era significativa,
onde negros e pardos libertos somavam 60,7% de uma população de 77.375
habitantes. Neste universo a população negra e parda cativa, somava 12. 254
pessoas, ou seja, 15,8% da população. Em 1818, no censo apresentado pelo
governo provincial, numa população de 125.878 habitantes; os pretos e mulatos
livres somavam 70.038 (56%) da população.
Resistência
A resistência negra no Ceará também foi
significativa. Há registros de que os senhores davam aos seus escravos
tratamento de condenação à morte na forca, enterravam-nos vivos,
espancavam-nos, violentavam-nos sexualmente, queimavam-nos, estrangulavam-nos,
sem contar as amputações de seios, de orelhas, de dedos, vazamento de olhos
etc. e punição pelas autoridades públicas.
O negro reagiu a tudo isso com fugas,
abortos, assassínios dos senhores, revoltas e formação de agrupamentos de
negros. No Icó, em dezembro de 1867, escravos com armas nas mãos tentaram sua
liberdade, tendo os seus planos frustrados pelas ações do Delegado de polícia.
No Ceará há fortes indícios de quilombos na Serra do Pereiro, onde se
refugiavam escravos do Ceará e das províncias vizinhas do Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco e até mesmo da Bahia – e, ainda, na Serra Grande, para onde
acorriam escravos cearenses e do Piauí e Maranhão. Vários deles foram
apreendidos no município de Viçosa. Mesmo na periferia de Fortaleza são
identificados vários lugares de “acoutamento” de escravos fugidos como em
Tauape e Parangaba.
Janote Pires (2009, p. 56 - 57)
afirma, no livro Festas de Negros em
Fortaleza: territórios, sociabilidade e reelaborações (1871-1900), que
“longe de ser um elemento passivo e estático, o cativo muitas vezes encontrava
forma de resistência ao controle do senhor, particularmente na exploração do
trabalho”. O autor relata o caso de Gonçalo, escravo de ganho de Joaquim da
Silva Santiago que se embebedava e se esquivava de seus afazeres de escravo.
Pires também ressalta que os escravos ignoravam e agrediam senhores, e
encontrar-se com outras pessoas para diversões eram práticas sociais
transgressivas frente às normas de então”.
Anúncios de jornais da época, publicam
notícias de fugas e hábitos que iam de encontro à política de disciplinamento
que estava em voga pela administração municipal, particularmente em áreas mais
valorizadas, como a do passeio público (PIRES, 2009, p. 59).
Abolicionismo
O movimento abolicionista no Brasil foi essencial
para o fim da escravidão. O abolicionismo no Ceará foi uma das causas do fim da
escravidão na então província. As várias entidades abolicionistas eram
compostas por intelectuais e estudantes, liberais, elementos ligados à classe
média e à elite. Esses grupos desejavam o fim da escravidão sem grandes
mudanças na ordem social vigente, apelando para o espírito humanitário,
filantrópico e altruísta dos homens. Não se tem notícias de grandes conflitos
entre abolicionistas e escravistas, a não ser os grandes debates através dos
jornais da época. Algumas das principais entidades abolicionistas foram:
- 1879 –
Sociedade Perseverança e Porvir (composta por comerciantes que se propunham a
comprar cartas de alforria para os cativos).
- 1880 –
Sociedade Libertadora Cearense (Através de seu jornal O Libertador, defendia a
idéia de libertar escravos fosse qual fosse o método e formava uma opinião
pública contra a escravidão).
- 1882 –
Centro Abolicionista (Defendia a libertação sem a perturbação da ordem moral,
econômica e social).
- 1880 –
Sociedade das Senhoras Libertadoras (Grupo
feminino)
Houve também a participação popular no ano de 1881. Como a condução dos negros aos navios de transporte de passageiros era feita por jangadeiros, um grupo de abolicionistas teria convencido os jangadeiros a não mais fazer o trabalho. Nos dias 27, 30 e 31 de janeiro daquele ano os jangadeiros (dentre eles estava Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar), aderiram ao movimento e fizeram greve. Houve manifestação popular no porto do Mucuripe contra a embarcação de 38 escravos, que foram libertados na noite do dia 31. Em agosto do mesmo ano tentou-se, clandestinamente, embarcar duas negras. Nova vitória dos abolicionistas. As cativas foram seqüestradas e soltas. Daquela data em diante não se tem mais notícias de embarque de escravos no porto de Fortaleza.
No campo jurídico as ações também foram importantes. Entre 1850 e 1852 o deputado Pedro Pereira da Silva apresentou vários projetos à Câmara Geral do país objetivando alforriar os negros nascidos até então, sem sucesso. Em1868, a Assembléia
Provincial do Ceará aprovou o ato legal que autorizava o governo a gastar a
quantia de 15 contos de réis com a libertação de 100 escravos nascidos
anualmente. Nos anos de 1881 e 1882, outorgou-se uma lei, aumentando os
tributos sobre os escravos residentes na província ou sobre quem “exportado” para
outras regiões do Brasil. Em 19 de outubro de 1883, o presidente da província
Sátiro de Oliveira Dias, sancionava lei que abolia definitivamente a escravidão
no Ceará. Em 25 de março de 1884
a lei foi promulgada. Antes dessa lei, porém, Acarape,
atual Redenção, libertou seus escravos (aproximadamente 300) e, primeiro de
janeiro de 1883. Fortaleza libertou seus 1273 cativos a 24 de maio do mesmo
ano. Contudo, isso não significa que
toda a província do Ceará tenha libertado seus escravos. Há notícias de que em
fevereiro de 1886, no município de Milagres, havia 298 escravos.
Houve também a participação popular no ano de 1881. Como a condução dos negros aos navios de transporte de passageiros era feita por jangadeiros, um grupo de abolicionistas teria convencido os jangadeiros a não mais fazer o trabalho. Nos dias 27, 30 e 31 de janeiro daquele ano os jangadeiros (dentre eles estava Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar), aderiram ao movimento e fizeram greve. Houve manifestação popular no porto do Mucuripe contra a embarcação de 38 escravos, que foram libertados na noite do dia 31. Em agosto do mesmo ano tentou-se, clandestinamente, embarcar duas negras. Nova vitória dos abolicionistas. As cativas foram seqüestradas e soltas. Daquela data em diante não se tem mais notícias de embarque de escravos no porto de Fortaleza.
No campo jurídico as ações também foram importantes. Entre 1850 e 1852 o deputado Pedro Pereira da Silva apresentou vários projetos à Câmara Geral do país objetivando alforriar os negros nascidos até então, sem sucesso. Em
Fatores responsáveis pelo declínio do escravismo no
Ceará
Os historiadores
apontam vários fatores como responsáveis pelo fim da escravidão no Ceará.
Dentre eles estão: a resistência que se manifestava através de fugas, abortos,
assassínios dos senhores, revoltas e formação de agrupamentos de negros; a
pouca importância do trabalho escravo na economia local; a venda de escravos
para outras províncias por parte de seus senhores, sobretudo na época das secas,
como no grande seca de1877 que três mil deles teriam sido vendidos; e a das
entidades abolicionistas.
Comunidades negras no Ceará atual
Existem hoje no Ceará vários núcleos de
população negra nos centros urbanos, bem como comunidades negras rurais. Há
famílias em Fortaleza que agregam de 20 a 30 membros em até cinco casas
próximas. Encontram-se essas pequenas comunidades no Dendê, no Trilho
(Aldeota), no Jardim Iracema, no Quintino Cunha e no Conjunto Alvorada. Há
agrupamentos negros em Tururu (Conceição dos Caitanos e Água Preta), que
apresentam mais de 200 pessoas na área, Goiabeiras (Aquiraz), Colibri em Tauá e
Bastiões (Iracema). Comunidades similares são encontradas do Cariri e na Serra
Grande.
Referências
BARROS, Paulo
Sérgio. Confrontos Invisíveis;
colonialismo e resistência indígina no Ceará. São Paulo: Annablume;
Fortaleza: Secult, 2002.
FARIAS,
Aírton de. História do Ceará. Dos Índios
à geração Cambeba. Fortaleza: Tropical, 1997.
FUNES,
Eurípedes Antônio. Negros no Ceará. In; SOUZA, Simone de (Org.) Uma nova história do
Ceará, Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
MARQUES,
Janote Pires. Festas de Negros em
Fortaleza: territórios, sociabilidade e reelaborações (1871-1900. Fortaleza:
Expressão Gráfica, 2009.
OLIVEIRA,
Pedro Alberto. As Origens da Escravidão
no Ceará. In: Revista Instituto Histórico do Ceará,
Fortaleza, tomo 99, jan./dez.1979.
ORIÁ, Ricardo
et al. Construindo o Ceará.
Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha, 1997.
Atividades
01 - De acordo com o texto, o fato da escravidão
negra não ter sido extensa no Ceará foi em decorrência, sobretudo, dos fatores
econômicos. Explique essa afirmação.
02 – Escreva
um texto comentando as formas de resistência africana à escravidão.
03 – O escravo
urbano desenvolvia atividades diferentes daqueles que estavam inseridos nas
atividades econômicas mais importantes como: pecuária e agricultura. Comente
sobre as atividades desses escravos urbanos e qual a importância econômica
deles para os seus senhores.
04 – Em sua
opinião o que a presença de comunidades negras no Ceará atual nos revela em
termos históricos.
05 – Conforme
Joaquim Nabuco a escravidão “é a posse, o
domínio, o seqüestro de um homem – corpo, inteligência, forças, movimentos,
atividades – só acaba com a morte...”.
Analise os
dois textos abaixo e produza um texto à luz do que diz Joaquim Nabuco.
Escravo Matheus, 25 anos, mulato claro, sem motivo algum para fugir, visto que era
livre andar e trabalhar na rua quando lhe parecia (...). gratifica-se a quem
der delle exacta notícia ou o troxer à casa, sendo dispensável qualquer
violência – Fenelon Balmicar da Cunha.
In:
FUNES, Eurípedes Antônio. Negros no Ceará
Vende-se uma escrava creoulla, bem prendada, a saber: boa
cozinheira, entendendo de marcas, costuras, engomados, etc. Com 28 annos de
idade. Quem a pretende diraja-se ao abaixo assignado João Domingos Fontes.
Jornal A Constituição, de 17/12/1865.
In: ORIÁ, Ricardo et al. Construindo o Ceará.
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[1] Professor. Mestre em História pela
Universidade Federal de Pernambuco. Tem e artigos e livros publicados sobre
história do Ceará e Educacão Holística. Contato: psergio.barros@gmail.com.
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