sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Escravidão e Abolicionismo no Ceará
                                         Paulo Sérgio Barros[1]
                                               

     A prática da escravidão negra no Ceará não foi tão intensa como em outras partes do Brasil, notadamente em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Contudo, o historiador Raimundo Girão afirma que quando Pero Coelho de Souza esteve na Serra da Ibiapaba em 1604, noticiou a presença de alguns negros entre os índios. Barros (2002), a propósito do Ceará holandês, comenta que Matias Beck, que esteve no Ceará entre 1649 e 1654, possuía escravos, e que um de seus negros infiltrou-se entre os índios a quem Beck ordenou a se comunicar com os nativos somente na língua indígena para obter o máximo de informações dos índios sobre o espaço e a economia da região.
      Porém, mais tarde africanos foram trazido para o Ceará para servir os governadores do período colonial; outros vieram com os primeiros colonos oriundos da Bahia e Pernambuco.  Pedro Alberto de Oliveira ressalta que a primeira entrada organizada de escravos negros no Ceará ocorreu durante a curta existência da Companhia das Minas de S. José dos Cariris, iniciada em 1756, e que explorou ouro na região sul da capitania, usando 69 escravos africanos. Posteriormente o trabalho escravo foi incorporado ao setor produtivo estando presente na pecuária, na agricultura, em serviços especializados, nos serviços domésticos, ou ainda como escravo de aluguel e de ganho.
       Contudo, o tráfico de negros para Ceará era pequeno e indireto; fazia-se, sobretudo pelos entrepostos de São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e eram da etnia Banto, originários de Angola e Congo.
       A pecuária e o algodão, o motor da economia colonial cearense, foram atividades que usaram a mão-de-obra escrava, mesmo que não tenha sido intensivamente. Na pecuária porque além de facilitar a fuga dos escravos tinha um caráter de mobilidade. Para o  cultivo de algodão, praticado num certo período do ano, não era compensador o uso da mão-de-obra africana. Optava-se pelo meeiro e agregado. Os cativos iam mais para os trabalhos domésticos.
     Em núcleos urbanos como Fortaleza, era normal anúncios de jornais oferecendo serviço de negros que formavam uma mão-de-obra mais especializada como pedreiros, marceneiros, alfaiates, sapateiros entre outros. O Trabalho escravo ajudava, portanto, na composição da renda da família do senhor, não apenas pelo seu valor, mas como escravo de aluguel, como escravo de ganho e até como prostitutas.
      A presença de escravos africanos na economia e sociedade cearense não foi inexpressiva como naturalmente se pensa. Exemplo ilustrativo nesse sentido é que no início do século XIX, segundo Eurípedes Antônio Funes, a presença de afro-brasileiros no Ceará já era significativa, onde negros e pardos libertos somavam 60,7% de uma população de 77.375 habitantes. Neste universo a população negra e parda cativa, somava 12. 254 pessoas, ou seja, 15,8% da população. Em 1818, no censo apresentado pelo governo provincial, numa população de 125.878 habitantes; os pretos e mulatos livres somavam 70.038 (56%) da população.

Resistência

     A resistência negra no Ceará também foi significativa. Há registros de que os senhores davam aos seus escravos tratamento de condenação à morte na forca, enterravam-nos vivos, espancavam-nos, violentavam-nos sexualmente, queimavam-nos, estrangulavam-nos, sem contar as amputações de seios, de orelhas, de dedos, vazamento de olhos etc. e punição pelas autoridades públicas.
     O negro reagiu a tudo isso com fugas, abortos, assassínios dos senhores, revoltas e formação de agrupamentos de negros. No Icó, em dezembro de 1867, escravos com armas nas mãos tentaram sua liberdade, tendo os seus planos frustrados pelas ações do Delegado de polícia. No Ceará há fortes indícios de quilombos na Serra do Pereiro, onde se refugiavam escravos do Ceará e das províncias vizinhas do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e até mesmo da Bahia – e, ainda, na Serra Grande, para onde acorriam escravos cearenses e do Piauí e Maranhão. Vários deles foram apreendidos no município de Viçosa. Mesmo na periferia de Fortaleza são identificados vários lugares de “acoutamento” de escravos fugidos como em Tauape e Parangaba.
            Janote Pires (2009, p. 56 - 57) afirma, no livro Festas de Negros em Fortaleza: territórios, sociabilidade e reelaborações (1871-1900), que “longe de ser um elemento passivo e estático, o cativo muitas vezes encontrava forma de resistência ao controle do senhor, particularmente na exploração do trabalho”. O autor relata o caso de Gonçalo, escravo de ganho de Joaquim da Silva Santiago que se embebedava e se esquivava de seus afazeres de escravo. Pires também ressalta que os escravos ignoravam e agrediam senhores, e encontrar-se com outras pessoas para diversões eram práticas sociais transgressivas frente às normas de então”.
            Anúncios de jornais da época, publicam notícias de fugas e hábitos que iam de encontro à política de disciplinamento que estava em voga pela administração municipal, particularmente em áreas mais valorizadas, como a do passeio público (PIRES, 2009, p. 59).

Abolicionismo
     O movimento abolicionista no Brasil foi essencial para o fim da escravidão. O abolicionismo no Ceará foi uma das causas do fim da escravidão na então província. As várias entidades abolicionistas eram compostas por intelectuais e estudantes, liberais, elementos ligados à classe média e à elite. Esses grupos desejavam o fim da escravidão sem grandes mudanças na ordem social vigente, apelando para o espírito humanitário, filantrópico e altruísta dos homens. Não se tem notícias de grandes conflitos entre abolicionistas e escravistas, a não ser os grandes debates através dos jornais da época. Algumas das principais entidades abolicionistas foram:
- 1879 – Sociedade Perseverança e Porvir (composta por comerciantes que se propunham a comprar cartas de alforria para os cativos).
- 1880 – Sociedade Libertadora Cearense (Através de seu jornal O Libertador, defendia a idéia de libertar escravos fosse qual fosse o método e formava uma opinião pública contra a escravidão).
- 1882 – Centro Abolicionista (Defendia a libertação sem a perturbação da ordem moral, econômica e social).
- 1880 – Sociedade das Senhoras Libertadoras  (Grupo feminino)
       Houve também a participação popular no ano de 1881. Como a condução dos negros aos navios de transporte de passageiros era feita por jangadeiros, um grupo de abolicionistas teria convencido os jangadeiros a não mais fazer o trabalho. Nos dias 27, 30 e 31 de janeiro daquele ano os jangadeiros (dentre eles estava Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar), aderiram ao movimento e fizeram greve. Houve manifestação popular no porto do Mucuripe contra a embarcação de 38 escravos, que foram libertados na noite do dia 31. Em agosto do mesmo ano tentou-se, clandestinamente, embarcar duas negras. Nova vitória dos abolicionistas. As cativas foram seqüestradas e soltas. Daquela data em diante não se tem mais notícias de embarque de escravos no porto de Fortaleza.
       No campo jurídico as ações também foram importantes. Entre 1850 e 1852 o deputado Pedro Pereira da Silva apresentou vários projetos à Câmara Geral do país objetivando alforriar os negros nascidos até então, sem sucesso. Em 1868, a Assembléia Provincial do Ceará aprovou o ato legal que autorizava o governo a gastar a quantia de 15 contos de réis com a libertação de 100 escravos nascidos anualmente. Nos anos de 1881 e 1882, outorgou-se uma lei, aumentando os tributos sobre os escravos residentes na província ou sobre quem “exportado” para outras regiões do Brasil. Em 19 de outubro de 1883, o presidente da província Sátiro de Oliveira Dias, sancionava lei que abolia definitivamente a escravidão no Ceará. Em 25 de março de 1884 a lei foi promulgada. Antes dessa lei, porém, Acarape, atual Redenção, libertou seus escravos (aproximadamente 300) e, primeiro de janeiro de 1883. Fortaleza libertou seus 1273 cativos a 24 de maio do mesmo ano.  Contudo, isso não significa que toda a província do Ceará tenha libertado seus escravos. Há notícias de que em fevereiro de 1886, no município de Milagres, havia 298 escravos.

Fatores responsáveis pelo declínio do escravismo no Ceará

     Os historiadores apontam vários fatores como responsáveis pelo fim da escravidão no Ceará. Dentre eles estão: a resistência que se manifestava através de fugas, abortos, assassínios dos senhores, revoltas e formação de agrupamentos de negros; a pouca importância do trabalho escravo na economia local; a venda de escravos para outras províncias por parte de seus senhores, sobretudo na época das secas, como  no grande seca de1877  que três mil deles teriam sido vendidos; e a das entidades abolicionistas.

Comunidades negras no Ceará atual

     Existem hoje no Ceará vários núcleos de população negra nos centros urbanos, bem como comunidades negras rurais. Há famílias em Fortaleza que agregam de 20 a 30 membros em até cinco casas próximas. Encontram-se essas pequenas comunidades no Dendê, no Trilho (Aldeota), no Jardim Iracema, no Quintino Cunha e no Conjunto Alvorada. Há agrupamentos negros em Tururu (Conceição dos Caitanos e Água Preta), que apresentam mais de 200 pessoas na área, Goiabeiras (Aquiraz), Colibri em Tauá e Bastiões (Iracema). Comunidades similares são encontradas do Cariri e na Serra Grande.
    
Referências

BARROS, Paulo Sérgio. Confrontos Invisíveis; colonialismo e resistência indígina no Ceará. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secult, 2002.
FARIAS, Aírton de. História do Ceará. Dos Índios à geração Cambeba. Fortaleza: Tropical, 1997.
FUNES, Eurípedes Antônio. Negros no Ceará.  In; SOUZA, Simone de (Org.) Uma nova história do Ceará, Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
MARQUES, Janote Pires. Festas de Negros em Fortaleza: territórios, sociabilidade e reelaborações (1871-1900. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2009.
OLIVEIRA, Pedro Alberto. As Origens da Escravidão no Ceará. In: Revista Instituto Histórico do Ceará, Fortaleza, tomo 99, jan./dez.1979.
ORIÁ, Ricardo et al. Construindo o Ceará. Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha, 1997.


Atividades

01 -  De acordo com o texto, o fato da escravidão negra não ter sido extensa no Ceará foi em decorrência, sobretudo, dos fatores econômicos. Explique essa afirmação.
02 – Escreva um texto comentando as formas de resistência africana à escravidão.
03 – O escravo urbano desenvolvia atividades diferentes daqueles que estavam inseridos nas atividades econômicas mais importantes como: pecuária e agricultura. Comente sobre as atividades desses escravos urbanos e qual a importância econômica deles para os seus senhores.
04 – Em sua opinião o que a presença de comunidades negras no Ceará atual nos revela em termos históricos.
05 – Conforme Joaquim Nabuco a escravidão “é a posse, o domínio, o seqüestro de um homem – corpo, inteligência, forças, movimentos, atividades – só acaba com a morte...”.
 Analise os dois textos abaixo e produza um texto à luz do que diz Joaquim Nabuco.

Escravo Matheus, 25 anos, mulato claro,  sem motivo algum para fugir, visto que era livre andar e trabalhar na rua quando lhe parecia (...). gratifica-se a quem der delle exacta notícia ou o troxer à casa, sendo dispensável qualquer violência – Fenelon Balmicar da Cunha.

In: FUNES, Eurípedes Antônio. Negros no Ceará

Vende-se uma escrava creoulla, bem prendada, a saber: boa cozinheira, entendendo de marcas, costuras, engomados, etc. Com 28 annos de idade. Quem a pretende diraja-se ao abaixo assignado João Domingos Fontes.

Jornal  A Constituição, de 17/12/1865.

In: ORIÁ, Ricardo et al. Construindo o Ceará.


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[1]  Professor. Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Tem e artigos e livros publicados sobre história do Ceará e Educacão Holística. Contato: psergio.barros@gmail.com.


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